quinta-feira, 5 de maio de 2016

Fim da adolescência

A vida adulta
Cabe num código de barra
Cabe numa ruga, numa briga

A vida adulta
Cabe em dois dedos de céu
Cabe numa caixa de aluguel
(sem janelas)

A vida adulta
Cabe num ônibus lotado
Cabe no varejo e no atacado
Cabe no zero do lado errado
e no condomínio atrasado

A vida adulta
Só não cabe num poema
De tão pequena...

domingo, 1 de dezembro de 2013

Caio, a vítima.

Caio (nome fícticio) se matou na noite desta sexta-feira, sozinho em seu apartamento próximo à Avenida Paulista. O fato aconteceu três semanas depois que sua ex-namorada divulgou fotos e vídeos íntimos de Caio na Internet. A repercursão negativa da exposição pessoal na rede causou graves consequências na vida do jovem universitário de 22 anos. Depois de ter de deixar o emprego e apagar seus perfis nas redes sociais devido ao assédio que vinha sofrendo de mulheres e homens oferecendo favores sexuais, ofendendo e condenando sua atitude, ele não aguentou. 

Infelizmente em nossa sociedade atual um homem não pode exercer sua sexualidade de forma plena. Além de serem obrigados a cuidar da casa e das crianças, trabalharem mais por menos dinheiro e serem mortos e violentados todos os dias apenas por serem homens, ainda há essa importante conquista na luta pela igualdade de gênero. Para um homem, falar abertamente que gosta de sexo ainda é considerado feio  e condenável.

Muitos casos como esses ocorridos nos últimos tempos também  mostram as mudanças ocorridas na sociedade com a facilidade de produção e circulação de conteúdo e os homens devem tomar alguns cuidados para não ocorrer o mesmo que se passou com Caio, que teve de dar fim à própria vida porque teve sua intimidade exposta. 

Aqui vão algumas dicas da Delegada Norma Marrana do 69º DP:

-Selecione bem  as mulheres com quem sai, não se deixe enganar por boas aparências e dinheiro;
-Procure saber se o momento é adequado e se a mulher realmente respeita você;
-Não fique se exibindo em lugares públicos e evite beber muito;
-Não participe de sexo grupal quando alguém aponta uma câmera para você.


Comentários:

Douglas Silva disse Interessante perceber que a culpa pela morte do homem é do femismo. Isso mesmo, ele não teve culpa de nada e essa namorada? Onde ela está? Qual o nome dessa canalha? Ninguém diz, ela continua sua vida normalmente. Por isso a luta Machinista tem que continuar.
1 resposta
Trolandogerao disse  Ah, tinha que ser os machinazi, vai lavar o carro em vez de ficar esfregando o pau na câmera, putinho barato, tem mais que se fuder mesmo.

Ana Padrão disse Ah, Tadinho, quem manda num se dar ao respeito. Um puto a menos nesse mundo.Tem tantos já.

Fagner Augusto disse Se pelo menos ele tivesse brochado kkkkkk

sexta-feira, 7 de junho de 2013

A Balada do Nascituro


Sofia era uma mulher autônoma. Trabalhava, estudava, tinha tesão pela vida. E pelas pessoas. Enfim, tinha muitos momentos felizes, mesmo dentro da prisão na qual nos acostumamos a viver.

Porém um momento em sua vida não foi muito feliz. Sofia foi estuprada por um amigo de um colega de trabalho em uma festa. Estavam bêbados. Ela recusou a investida. Ele a atacou. Ninguém ouviu.

Exames, B.O. e humilhação depois, Sofia descobriu que estava grávida do desgraçado que fez aquilo com ela, mas mal sabia que a desgraçada era ela.

Ao correr o processo, ela também, sabe-se lá por que, foi investigada também. Desde que recomeçou a Inquisição no Brasil com o estatuto do nascituro, as coisas andam bem feias para as heréges que tiveram o azar de nascer com uma buceta no meio das pernas.

Pois bem, devassaram-lhe a vida, descobriram que ela vivia quase como um homem: transava com quem queria, bebia e até gostava de pornografia.

O estuprador foi absolvido, afinal, tratava-se de uma mulher que ousava viver seu tesão.

Proibida de abortar, foi obrigada a ter o filho que nasceu prematuro, pois ela sempre batia na barriga com raiva. 
E culpa. O bebê não tinha culpa. Nem ela. Quem tinha?

Aguentou sozinha a gravidez. A depressão não podia ser sanada com remédios. Os burocratas a internaram, amarraram-na na cama para que não pudesse fazer mal ao bebê.

Finalmente, seu corpo expulsou o parasita. Ela sofria com o ódio que tinha do bebê e com a culpa por sentir aquilo.

Não aguentou.

Assim que viu o nascituro no berço e imaginou sua vida e a deste ser dali pra frente, pulou da janela do hospital,


com ele no colo. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013



Série: Humor amargo


Numa sala muito bonita e espaçosa estão várias pessoas da alta classe paulistana conversando numa animada reunião quando alguém fala para uma mulher negra, a única negra no encontro de amigos :
-Você é uma mulher negra.
Todos se calam e olham para o homem que falou. Vários cochicham e se ouve um:
-Nossa, que gafe!
A mulher tenta se controlar, mas sai correndo aos prantos.
A mulher do homem branco diz, nervosa, a ele:
- Você só me faz passar vergonha. Precisava ser grosseiro desse jeito.
-Mas eu só disse algo que todo mundo tá vendo.
-Você não entende mesmo. Vai pedir desculpa pra mulher agora.
-Por quê?
-Como assim? – ela fala mais nervosa ainda – Você humilhou a mulher.
Ele vai até o quarto e as pessoas no caminho o olham feio.
A mulher negra está sentada cercada por outras pessoas e quando o vê começa a gritar:
-Você, seu porco, precisa falar essas coisas na frente de todos?    Eu devia te processar, seu preconceituoso 
E começa a chorar no colo de outra:
- Eu fiz de tudo, não ouço mais pagode, operei o nariz, alisei o cabelo. Pra quê? – e volta a chorar copiosamente.
Mas ele numa tentativa de consertar as coisas, dá a facada final:
-Mas não tem problema nenhum ter origem pobre, crescer na favela.
Ela começa a chorar ainda mais.
A dona da casa chega e fala para o homem:
-Desculpe, vou pedir para você se retirar . Não vou admitir comportamento racista na minha casa.
E o cara fica parado na porta sem entender enquanto sua mulher bate a porta do carro. 

sábado, 5 de maio de 2012

Cada ano que passa...

E o que nos fazemos a partir do momento em que nascemos senão envelhecer? A cada expiração estamos mais velhos, é a condição natural. A velhice é uma inesgotável fonte de sofrimento, mas a alternativa a ela é a morte, uma escolha não muito difícil. Sabemos bem que todo ser vivo, por mais ínfimo e simples que seja, tem sempre o mesmo objetivo: sobreviver, não importa quais sejam as circunstâncias. Então nosso objetivo maior é justamente ficarmos mais e mais velhos, aproveitando ao máximo esta oportunidade chamada vida que estamos tendo. Por isso comemoramos aniversários, não para lembrar que estamos cada vez mais perto da morte, mas para celebrar mais uma fatia de tempo na qual escapamos dela.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cracolândia Expandida


Já fui assaltada três vezes em São Paulo, duas delas foi por noias – essa abreviação carinhosa pela qual chamamos os dependentes de crack. Se alguém ficou na dúvida a respeito do acento, saibam que a palavra paranoia mudou com a Reforma Ortográfica, sendo assim noia fica sem acento; mudou a palavra, a realidade continua a mesma.

Das duas vezes que fui assaltada por noias, uma delas foi na região da Luz e pasmem, isso foi em 1996 quando eu estudava naquela região. Já naquela época todos sabiam os efeitos devastadores do crack, seja pelo lado da saúde, seja pelo lado social e no entanto, a cracolândia continuou lá, aos olhos da PM e da prefeitura. Às vezes uma ação deslocava os noias de um lado ao outro, mas tudo continuava igual.

De lá para cá, muita coisa mudou. Hoje já há um certo consenso entre especialistas que esse problema é de saúde pública e não de segurança, que devemos encaminhar essas pessoas a tratamento especializado e interdisciplinar, mas aí nos deparamos com algo que a meu ver corrói muito mais a mente dos cidadãos do que qualquer droga é capaz: a ignorância e a passividade.

Como um problema que ocorre há décadas vai ser resolvido de uma hora para outra com a ação da PM? Por que nada foi feito e só agora, no começo do ano no qual teremos eleições para prefeito é que há esta ação equivocada e truculenta? Fica fácil responder se ligarmos essa ação com a favela altamente inflamável que sumiu na região e o loteamento que o nosso ilustre prefeito está fazendo desse mesmo bairro às empreiteiras que financiarão sua campanha.

Se você ao ler este último parágrafo pensou algo como : “isso sempre aconteceu” ou “ não há nada a fazer, política é assim mesmo” , reflita bem sobre quem realmente são os mortos vivos perambulando na cidade sem consciência nem esperança, talvez a resposta não seja os pobres coitados da cracolândia, mas sim os noias, viciados em gestões públicas irresponsáveis e informações manipuladas que irão como zumbis votar igual nas próximas eleições.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Bruxa média

Eu sou a bruxa má,

que no alto da minha torre

Aprisiono minha gastrite

e a minha dor de cabeça

Nos meus portões não entram

Nem a fome, nem a guerra

Porque sou protegida

Por meus porteiros paraíbas

Vivo na escuridão

do meu insulfilm

E as magras princesas

me sorriem

Da janela iluminada

no meio da minha sala

E mesmo nunca descendo

ao mundo real

Minhas magias atingem

o mundo inteiro

Pela fibra ótica

eu destilo meu veneno

Se as grades escondem

o meu rosto feio

Minhas palavras revelam

todo o meu pensamento

médio e pequeno.

15/07/2003

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Queria ser sua mochila

Queria ser sua mochila

E ir com você viajar

Levando em mim

Tudo o que precisa


Colada ao seu corpo

Sempre junto a você

Mas te deixando livre

Para abraçar a vida

quatorzedejulhodedoismileonzequintaatardeociosadesolcomoklinnointerior

domingo, 17 de julho de 2011

O valor da vida

Isso não está certo. Como ele foi tirar nosso filho? Ela mereceu mesmo o que aconteceu . Minha mãe disse que eu fiz a coisa certa. Onde já se viu? Acabar com uma vida. Vamos ter esse filho. A grana está curta, mas a gente consegue. Ela sempre foi guerreira. Trabalhava fora, cuidava sozinha da casa. Ela podia fazer mais uns bicos de limpeza, por exemplo. Eu já bancava tudo, poxa. Mas não, insistiu. Não era certo o que ela ia fazer. Um lugar clandestino, uma prática ilegal. Puta merda! Tive que denunciar. Só não imaginava que o doutor fosse soltar pra imprensa, né. Dava até pena de entrar no Facebook dela. Todo mundo descendo o cassete, poucos tinham coragem de dar apoio. A pressão foi tanta que acabou presa. Também? Pra uma pessoa que faz isso, uma assassina, mereceu. Só não entendi como ela conseguiu matar nosso filho mesmo assim. A polícia fechou a clínica antes dela ser atendida, eu estava lá. O médico da cadeia depois falou um tal lance com agulha de crochê. Não acreditei não. Disse que foi por isso que ela acabou doente. Bem feito. Foi é castigo de Deus. Teve o que mereceu. Ainda tinha feminista fazendo protesto no velório dela. Vai se foder. A obrigação dela era amar e cuidar do nosso filho e não fazer o que ela fez. Eu fiz o que era certo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

PIETA - Capítulo 1

Quando seu filho sofreu o grave acidente, Mariana ficou desolada. Um menino tão jovem, no auge de sua adolescência, sendo vitimado de maneira tão estúpida. Um garoto tão ativo e saudável, agora preso a uma cama, inerte.

Ficou feliz quando, aos poucos, Cristiano começou a melhorar – embora tivesse ficado com profundas seqüelas neurológicas: andava, mas cambaleando; falava, mas balbuciando; entendia o mundo ao seu redor, mas distorcido.

Sua tristeza aumentou quando o menino voltou a freqüentar a escola. Logo foi chamada, não porque ele tivesse dificuldade no aprendizado ou sofria bulling devido a sua deficiência – era ele que estava causando problemas na escola. Devido à lesão no seu cérebro, já não sabia o que era certo ou errado moralmente e começou a descontar sua libido em todas, todas as mulheres da escola. Agarrava as colegas, passava a mão nas professoras, esfregava-se nas inspetoras, até a senhorinha do portão era alvo de sua libido sem limites.

A mãe, a princípio, não soube o que fazer. Seguindo a sugestão da escola, procurou tratamento psiquiátrico para o filho. Em vão. Na primeira semana, tentara agarrar a terapeuta que fez um diagnóstico rápido e sugeriu um tratamento bem específico: o menino deveria aliviar essa tensão sexual que carregava, direcionando-a.

Pensou em prostitutas, mas a ideia de entregar seu filho a uma estranha, e depois ainda pagá-la por isso, assustava-a. Seu filho jamais arrumaria uma namorada, ele mal conseguia falar, babava e, ainda por cima, atacava qualquer mulher que chegasse perto.

Foi quando, ao dar banho nele, notou sua ereção no momento em que o ensaboava. Logo percebeu que ele apertava seu seio e a olhava com olhar de cachorro com fome. Pensou nos sermões da igreja, na primeira vez que o viu na maternidade, nos anos de solidão depois que seu marido a abandonara, no que pensariam os vizinhos, mas - quem saberia? Não deixava de ser uma parte de amor materno, o mais incondicional e sacrificante de todos os amores – e colocou seu seio na boca do filho como havia feito muitos anos antes...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Som no Batalhão

Trabalhar perto da estação de metrô da Tiradentes é interessante, Bom Retiro, Luz, centro velho. Logo que se sai do metrô, dos dois lados, há belas construções, como o Museu de Arte Sacra e o Arquivo Nacional, entre eles está também o Batalhão da Polícia Militar. Nos arredores da estação, existem batalhões de vários tipos de polícia, como o da Rota e da Cavalaria.

Hoje ia pegar o trem para correr para a outra escola, em outra cidade, quando no caminho, em frente ao Batalhão, deparei-me com a banda da Polícia Militar, acredito que era. Todos lá, fardadinhos, com seu respectivo instrumento, sentados em cadeiras, no meio da praça onde ficam os mendigos. E tocando com talento.

Imaginei aqueles soldados nas ruas, combatendo o crime, torturando criminosos, mexendo com todo o tipo de meliante. A cara de mal deles frente ao descumprimento da lei, a posição firme de um militar. Naquele momento tudo isso era dissipado na música.

Enquanto fiquei parada lá, eles tiraram dois sons do Tim Maia, com o vocalista, um soldado negro de meia idade, mandando muito bem. Tinha até uma velhinha tentando animar as pessoas.

Gostei de encontrar este fato inusitado no caminho do metrô, os coxinhas, eles mesmos, encheram meu dia de arte. Bem que eles poderiam fazer isso na periferia...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Capital enobrece

Não sei por que tanto ódio no mundo, se estamos em uma época que tudo ficou tão corporativo, tudo é feita na cooperação; vemos, por exemplo, como os governos cooperaram com os bancos e as montadoras de carros durante a crise do sistema, é edificador.
Deve haver mais amor agora que as pessoas não precisam mais trabalhar e podem viver dos juros das marés internacionais de somas fantasmas de dinheiro, sustentando-se com a usura das montanhas de dinheiro virtual, essa falta de compromisso com o trabalho conseguida é maravilhosa e só pode levar a resultados bons como a fraternidade entre os povos.
Com tanta facilidade , é normal que o ser humano pense mais no seu próximo e ajude o mundo a se tornar um lugar melhor, afinal o capital deu liberdade para que o homem não mais trabalhasse e pudesse, assim, amar seus semelhantes.
Só o Capital acumula o suficiente para que desenvolvamos nossa caridade natural.
Aproveite seu tempo livre e ajude lá o Haiti!

vinteeoitodejaneiroombroquebradoquintaquesóchovehá35diassemparar

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Série Relatos da crise : A história não vem.

As pessoas aparecem, somem, surtam e se vão. E a garota do mundo sem ideias só entende de viver sua vidinha sem sal e sem fermento.
Só seu trabalho e suas mazelas lhe interessam agora. Ela não quer saber da beleza do mundo e dos avanços na sociedade. Ela só fica olhando para o canto de sua imensa sala, pensando em como aperfeiçoar a vida medíocre que ela criou.
Talvez trocar os móveis de lugar, tingir seu vestido branco, esganar sua colega, nada que ela terá coragem de fazer.
O único momento em que consegue não pensar na enorme estagnação de seu quintal é quando se entorpece de diversões baratas, que nada agregam a sua realidade fácil e óbvia. Mas mesmo assim ela continua pensando, só pensando e pesando, cada vez mais e sem utilidade.
Até seus amigos não a veem mais, eles se cansaram de esperá-la, esperar que ela termine seu trabalho, regue suas plantas, tire seus cravos, faça o almoço, enfim, ela sempre está ocupada com o útil, com o pontual, com o politicamente correto.
E agora sim sua vida pode passar no horário nobre, sem restrições; pena que não interesse a ninguém assisti-la.

Série Relatos da crise: 29 anos

Já viveu um quarto de século
10 quilos a mais
1 Graduação
1 Casamento
Emprego fixo
Não mais poesia
É, Bárbara, você achou
Que ia ser fácil,
Mas você está
No mesmo barco
Mediocrizado
Suas banhas
As marcas na sua pele
Seus vícios vulgares
Sua dor de barriga
É assim que tem que ser
Se quiser ter
Terá que pagar o preço
Do começo
Do que a gente chama
De vida civilizada
Uma gastrite
Uma dívida
Mais uma celulite...

b.
numa noitequenteeraradeinverno3deagostodedoismilenovenumatpmenumjejumdequaseumanosemescrever

domingo, 15 de março de 2009

À glória do fracasso.

Embora seja um grave xingamento em algumas culturas, ser perdedor tem seu lado bom. Primeiro e mais óbvio é que só fracassa quem tenta. E só consegue quem tenta. Mas fora isto, que nem é bem uma vantagem, há outras.
Ao assumir, humilde e claramente, a responsabilidade que tivemos sobre algo dar errado ou ser capenga, automaticamente aceitamos as críticas e isso de certa forma é bom para nós, que podemos crescer se soubermos filtrá-las e bom para os outros que se sentem contentados com a razão que lhe damos.
A responsabilidade (prefiro evitar a palavra culpa) é nossa e isso mostra que temos a liberdade de decidir. Algo tão raro em nossos dias, poder decidir, tantos as mínimas quanto às máximas escolhas, e fracassar nos faz mais conscientes do quanto somos responsáveis pelas conseqüências de nossos atos. E nas pessoas de verdade, com certeza haverá uma maior preocupação em como lidar com a sua própria realidade.
E é bom, algumas vezes, acordar lembrando de nossas misérias, afinal humildade é definida como “o reconhecimento de suas próprias fraquezas”. É importante lembrar do quanto somos só carbono neste imenso universo e como as nossas insignificantes vidas passarão como um pequeno instante na sua história, ou seja, já nascemos para o fracasso, só cabe a nós sabermos o quanto vale a pena arriscar e por quê.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

RELATÓRIO DO PROJETO No 28 333 321-2

1.0 Resumo das atividades outono/inverno
As atividades seguem normalmente: trampo, balada, amor e embriaguês. Não necessariamente nesta ordem, mas muitas vezes misturados. A conciliação entre esses elementos está gerando dificuldades e as tentativas até agora sugerem que a solução seja eliminar um destes elementos. A coordenação sugere que seja o trampo, porém o responsável do setor administrativo vetou esta possibilidade. Estuda-se, então, que o amor seja o elemento eliminado.
Dentre as várias atividades, é importante ressaltar o ócio e o sedentarismo, combinado com uma alimentação rica em queijos derretidos e suco de cevada. O sono tem sido muito em umas noites e pouco em outras, sempre pesado e acompanhado também do peso da cabeça que, em alguns dias, tem se tornado tão grande que fica difícil sustentá-la, principalmente na atividade balada. Quando isto acontece, o coordenador Bode assume e a balada termina. Bode e os outros coordenadores afirmam haver relação entre o sedentarismo e ócio, ele expõe esta opinião todos os dias durante a balada.
Em relação ao amor fica colocada a questão da necessidade, a coordenação afirma ser imprescindível, mas o setor administrativo coloca que, além de causar um ônus enorme ao projeto, o amor ocupa muito tempo de nossos esforços. Apesar de concordar que os lucros são bons, acusa que a falta de regularidade compromete o andamento de todos os setores. A coordenação se mostrou irredutível até o momento.
A embriagues tem sido umas das atividades na qual a coordenação está mais empenhada. Embora o custo, às vezes, mostre-se alto, enquanto os gastos mantiverem-se dentro do cronograma previsto, não haverá redução, principalmente devido à relação intrínseca entre a embriagues e a balada. A redução das duas atividades só será estudada pela coordenação, se houver danos significativos às outras.
Quanto à possibilidade de acrescentar outras atividades ao projeto tais como arte, caridade e esportes, a coordenação, até agora, tem mostrado-se resistente.
Sem mais para o momento.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O mundo possível


  1. Justino sabia bem do que se tratava. Era fácil perceber: as pessoas saindo de casa por volta da oito da manhã, arrumadas, com a reconhecível pastinha na mão e a esperança nos olhos. Ele sabia que para resolver o problema era necessário ir ao fundo dele, revolver e trazer a tona o que estava em seu âmago, era preciso ir ao centro do problema: Estação República, o centro da cidade que recolhe, mas não acolhe. Não gostava de ser chamado de peão, mas também não entendia o porquê do nome construção civil. Existiriam outros tipos de construções? Os viadutos e prédios públicos que ele construíra eram civis? E o barraco onde morava? Aquilo também era construção civil. Naquele momento, na fila, isso não importava. A carteira de trabalho no bolso e a apreensão no olhar – via que tinha gente de todo o tipo na fila: uma senhora que parecia sua mulher, uma garota que lembrava sua filha e embora os tipos fossem diferentes havia algo que aproximava aquelas pessoas e que não era a pastinha debaixo do braço. Depois de largas horas, seu estômago roncando e a atendente preenchendo seus dados. Nenhuma vaga no momento. Era preciso aguardar. Sua expressão era de fadiga, a fome agora se misturava à frustração. Saiu e foi andar na Barão. Quem sabe alguém não trocava um currículo seu por um cachorro-quente e um suco. Já que o currículo era a sua única riqueza, pois ele representava toda a tentativa de Justino de tentar construir a sua vida na cidade grande, mas como não há vagas, agora não deixam ele construir mais nada.

domingo, 6 de abril de 2008

A Barbie e o Quem.

Uma mulher bonita e gostosa, mini-saia, sentada num banquinho, encostada no balcão de um bar chique. Um homem gordo, baixinho, careca – o típico homem sem graça – se aproxima bem perto do rosto dela e diz no seu ouvido, de maneira invasiva:
- Sabia que você é muito gostosa?
A mulher o olha reconhecendo e diz sorridente, pondo a mão na cintura:
-Obrigada. E olha que eu sou assim, nem faço nada!
– Sério!
– É. Tirando duas horas de esteira, uma de spinning, musculação e retroclass todo o dia. A drenagem línfatica, o botox e os cremes contra celulite, rugas e envelhecimento precoce, nada!
-Deus sabe fazer uma grande obra e jogou o molde fora. Mas, eu te conheço de algum lugar.
-Sabe aquele comercial que um menino cai no meio de um monte de Barbie. Eu sou uma delas.- a mulher fala, enquanto passa a mão no cabelo e sorri.
- Sabia que já tinha visto essas belas pernas em algum lugar – ele responde passando os dedos na coxa dela.
-Que bom que você lembra de mim! - Ela diz, mostrando os dentes num sorriso forçado que ele nem vê, pois está olhando para baixo enquanto chega perto da orelha dela:
- Impossível te esquecer, você é um tesão - E aperta as coxas dela, ela tenta sorrir de novo e esfrega os peitos nele que olha:
-Acho que eu vou te pagar uns peitos...
Ela passa a mão preocupada nos próprios peitos e fala esperançosa:-Você jura?
-Claro! Você bebe alguma coisa?
-260 mililitros! Ops, quer dizer...huum, uma cerveja tem 300 calorias... A, eu quero um gin tônica.
-Então, você gostou de mim? – a mulher fala sensualmente
-Claro, vamos para o meu apartamento. - Ele responde um pouco indiferente, bebendo, tirando uma nota alta da carteira e a dando ao garçom.
-Então eu vou poder posar na sua revista! - Ela pula numa alegria infantil, desta vez realmente entusiasmada.
Ele se levanta e se dirige à porta na frente dela:
-Quem sabe depois dessa noite e dos peitos...

segunda-feira, 3 de março de 2008

As mulheres rompendo barreiras


Minha mãe não quis ser super protetora. Daquelas mães que dão para cobrar, que cuidam e controlam. Ela quis ser diferente da mãe dela, quis deixar correr solto, criar os filhos para o mundo e acabou deixando de lado uma proximidade que só o amor expressado através do carinho pode significar. Ela quis ir tão contra um modelo que, além de lhe ter feito muito mal, ela julgava ultrapassado.

Eu fico pensando nessas conquistas todas da mulher que são alardeadas pelas “revistas femininas,” mas não posso esquecer que essas conquistas, além de não terem sidos muitas, também são muito recentes se pensarmos na história da humanidade. Aconteceu justamente na geração da minha mãe, a revolução feminina, a pílula, os valores despedaçados. Mas valores que, apesar de disfarçados pela dita mentalidade aberta, continuam muitos arraigados e muito machistas. Os valores tradicionais que as mulheres carregavam foram desfeitos: nenhuma mulher mais se prepara a vida inteira para servir ao marido, a casa e aos filhos – será? Foi permitido às mulheres estudar, trabalhar e é claro se afastar da famigerada dupla fogão e tanque, elas não precisam mais saber cuidar de uma casa, elas agora estão no mercado de trabalho. E aí eu pergunto se esse afastamento do digamos “lar doméstico” é saudável mesmo? Será que elas ao quererem (ou precisarem ) se apresentar de unhas feitas e dentes brancos ao mercado não as afastou demais de valores que são muito importantes na história da humanidade como a relação mãe e filho? Será que elas cometeram o mesmo equívoco da minha mãe que ao se afastar de um modelo, exagerou do outro lado?

Não defendo que todas as mulheres devem ter forno e fogão como matéria nas escolas, nem que minha mãe não tenha cumprido seu papel de educar-me e me transmitir tudo de importante que ela considerava, mas todos nós – homens e mulheres – deveríamos saber – ao menos ter noção – de como deixar a casa limpa e arrumada e fazer uma comidinha deliciosa para receber quem você ama. Simples demonstrações de afeto que não são valores femininos ou masculinos, mas que foram e vão continuar sendo valores humanos.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

FÁBULA VEGETARIANA*

Bartes comia calmamente suas folhas de couve, quando um passarinho – talvez atraído pela tranqüilidade do nosso herói ou pelo cheiro das hortaliças – veio pousar em um galho perto de onde Bartes fazia sua refeição. -Olá, passarinho, quer um pouco? – ofereceu gentilmente. -Não, obrigado. Bom apetite. – recusou o pássaro enquanto pousava no chão e começava a procurar com as patinhas as minhocas que em vão tentavam fugir de suas bicadas. Nisso Bartes interviu: -Você vai mesmo comer essas minhocas? Não vê que elas são seres vivos como você? O passarinho deixou a minhoca fugir em meio a terra e olhou assustado para Bartes: -Mas elas são tão gostosas, eu sempre comi minhocas, elas não estão aí para isso? -Você acha que a função das minhocas dentro desse sistema capitalista é apenas alimentar você? Ela era uma minhoca feliz, que percorria a terra, tornando o solo mais fértil, gerando mais minhoquinhas para o futuro e você, com sua ânsia por comer outros seres vivos, vem e acaba com as esperanças de uma pobre minhoca... – Nisto nosso herói, empolgado com seu discurso, engasga com um pedaço da couve e cai roxo no chão. O pássaro, mesmo triste pela morte, não agüenta a fome, e começa a bicar olho ainda aberto de Bartes, refletindo sobre o que ouviu, porém aliviado por não ter sido ele, e sim o pedaço de couve, que matou nosso herói.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Volta, Rosicleide, volta...

Querida, eu vou morrer se você não voltar. Não consigo mais fazer nada. Achei que conseguiria reagir. No primeiro dia, não entendi, custei a acreditar. Depois da primeira semana, a casa já sentia sua falta, as plantas, os móveis. A poeira começou a acumular, a louça começou a acumular. As plantas morreram, eu já emagreci alguns quilos, as pessoas me perguntam se eu estou doente. Não consigo nem beber água por causa da falta que você me faz. Não tem mais copo limpo. Tudo está triste sem você, alegres mesmo só os insetos em volta do lixo.
Volta, Rosicleide, a vida é muito feia sem você.

MOTIVO

-Velha filha da puta, essa é a segunda bola esse mês. – Falava o menino indignado, olhando para o plástico em pedaços.
-Seus putos, vocês sabem que não podem jogar bola aqui. Se cair de novo, rasgo de novo.
Conforme o prometido, teimosa. Fica lá o dia inteiro cuidando das plantas e dos passarinhos, por isso é amarga desse jeito, não faz nada da vida. Custava devolver a bola, planta cresce de novo, passarinho depois fica quieto. Daqui a pouco ninguém mais vai ter bola na rua.
-Pé torto, não presta atenção, não. Lá se vai mais uma bola. Duvido que a velha não teja lá...
-Quem pula?
-Quem chutô, né, lógico. Corre. – Pulou, primeiro veio a bola, depois ele, rapidinho.
-Ela tem muita planta mesmo, e vários passarinhos, inclusive uma arara.
-Uma arara, sério? Ter arara num é crime ?
Depois de uns dias, estava um carro do IBAMA na frente da casa da velha. Os caras do carro do governo levaram vários passarinhos da velha, bem feito!
A bola só foi cair no quintal da velha de novo depois de várias semanas. Ela não saia mais gritando, nem devolvia bola rasgada. O Julio, que pulou lá pra pegar a bola dessa vez, voltou branco. Sem a bola.
-A velha tá estirada no quintal. Dura, meio verde já. Esse cheiro num é só do córrego não...
Dessa vez o carro na frente da casa da velha era do IML. A velha já tinha morrido fazia uma semana. Ninguém tinha percebido. As plantas já estavam murchas e os passarinhos que restaram muito fracos.
Um dia, depois de algum tempo, quando já não havia mais pássaros, nem plantas, a bola caiu no quintal da velha de novo. E novamente foi devolvida rasgada.
Ninguém nunca mais jogou bola lá.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Soneto da (des)educação

Sei bem a utilidade
Dos meus anos de estudo
É dever da sociedade
Não sou mais um vagabundo

Liberalista educado
Sem análise, só crítica
Me ponho de um dos lados
E a mídia me legitima

Sou formado para o mercado
Entendi a mais-valia
Fui feito para o trabalho

A escola me informou bem
Agora sou um cidadão
E não devo contas a ninguém

15.8.06

terça-feira, 26 de junho de 2007

Livros são livres

Livros são livres para fazer definições
Eu não sou livro, nem livre de definições
Livres aqueles que não acreditam nos livros,
nem em definições
Afinal livros são livros:
Litros de palavras que formam as frases
Frases que informam as pessoas
Pessoas que transformam seu tempo
Pessoas são livres, assim como os livros
Para entenderem o que quiserem disso

Porque livros, mesmo livres, são apenas livros.

B.

Direitos humanos para os humanos direitos

Inocêncio gostou muito do livro que ganhara. Não parou de ler nem quando o ônibus passava nos mais dignos buracos. “Os direitos humanos no cotidiano”. Livro grosso, bem ilustrado e com muitas informações interessantes. Ele estava animado com o projeto social que participava, o Educararte. Pensava nisso enquanto caminhava até sua casa. Foi quando notou um homem suspeito andando atrás dele. Ficou com medo, pois o bairro era perigoso. Fez menção de correr, mas o peso do livro prejudicaria seu desempenho. O ladrão já estava muito próximo dele. Não teve dúvidas. Virou e acertou em cheio a cabeça do meliante que ameaçava sua integridade de cidadão de bem. Saiu correndo e na pressa deixou os tão adorados direitos humanos ao lado do marginal desacordado. Nisso passou um mendigo que acompanhava o fato de longe. Ele pegou o livro do chão e o examinou. Juntou o livro aos seus outros pertences e foi para baixo do toldo de uma loja. Deitou-se sobre os papelões, colocou o livro debaixo da cabeça, se cobriu com seu cobertor esfarrapado e dormiu, assim como Inocêncio, o sono dos justos.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

A um grande amigo...

O maior bem está em saber-se amar. Começo assim esta carta já que desconheço outra forma de citar, incitar o amor se não for escrevendo-o, redigindo e colocando letra por letra.
Te escrevo para te dizer que há muito não escrevo, não encontrava inspiração. Talvez estivesse procurando um motivo que jamais encontraria. O mundo onde vivemos nos desencoraja.
Para entender de realidade é preciso que se viva, por isso, amigo, vivas a você! Essa carta espera poder confortá-lo e confrontá-lo com o absurdo do amor, digo absurdo pois o próprio amor é absurdo, assim como qualquer atitude que prove a existência de tal sentimento, por isso a carta... O amor já não existe em conversas corriqueiras.
Essa carta irá encontrá-lo com saúde, levando saudades e levantando questões metafísicas de tempo e espaço, pretendo te escrever simplesmente por te escrever, não tenho muito a dizer só quero te lembrar que vale a pena resistir e insistir em ser feliz.
Gostaria de compartilhar contigo, amigo, a minha falta de esperança nesses dias que virão, fica escrito aqui a mais completa desilusão com os nossos contemporâneos, porém espero que a chama da criação continue acesa para nós, sãos.
Também gostaria de compartilhar, amigo, toda a frivolidade inevitável que vivemos, nos dias consumidos de luminosa solidão continuamos a observar o nosso bizarro mundo; Que sua busca continue constante e firme!
Enfim, meu grande amigo, essa carta vai levando um pouco de mim, para te ofertar reflexões sobre o saber-se amar, sobre como as coisas fúteis têm tanto lugar e o absurdo fica para os poucos/loucos como nós.
Reconfortantes abraços e sinceras bobagens a todos os meus amigos
(inclusive aos que eu ainda não conheço)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Quanto mais mexe...

Cocozinho era expansiva embora reservada. Era muito espirituosa e queria que todos a admirassem. Gostava de conversar, mas só com gente da sua classe.
O ruim era quando estava fresca, aí a cocozinho se mostrava bem. Se esparramava por toda a parte, de acordo com a sua vontade, e com todo aquele enjôo, era triste. Não queria mais se mover do lugar e virava um terrível cocozinho mole. Não chegava a ser insuportável porque além de todo mundo gostar da cocozinho, mais por costume que por prazer, ela era necessária. Durinha, com tudo em cima, suas formas e seu perfume já eram conhecidos e todos de algum modo faziam questão de tê-la por perto.
Não era boa de papo, mas também como conversar com cocô? Serve para várias coisas, mas não dá para se divertir muito. Mostrar, exibir, mas não tentar um contato maior - isso era impossível para a cocozinho.
Cocozinho, às vezes, saia e ficava só, num canto. Pensando? Não, que cocô não pensa. Continuava querendo chamar a atenção, mas ficava isolada – não para refletir - mas para não se misturar ao resto daquela merda toda.

terça-feira, 24 de abril de 2007

sub - MISSÃO

-Amor, você sabe que eu te adoro
e não que eu pense que vou ficar com você a vida toda.
Mas mesmo assim, quero que você fique bem.
Bem agora e sempre.
Mas essa barriga...
Tudo bem, ela ainda não atrapalha eu fazer boquete.
Mas você sabe, querido, todos esses anos juntos, percebi que ela vem crescendo e pior,
você nem gosta mais que eu morda ela.
Ainda mais que você fica fumando um maço todo dia,
era legal fazer alguma coisa a respeito disso.
A gente tem que lembrar: a idade vem chegando, a pele caindo, as taxas de colesterol subindo, mas, a vida segue e você sabe que eu vou continuar te amando.
Fazer o quê?
Então tá bem, amor, pode deixar que eu vou fazer o curso de primeiros-socorros por você... mas, não pára não, continua me beijando.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

O SEQÜESTRADOR E O PUBLICITÁRIO

O seqüestrador lembrava do carro no outdoor. No comercial, na televisão do barraco, lá estava o carro. Merda de vida!

O publicitário estava muito feliz. Sua campanha foi um sucesso. Maravilhas da mídia de massa.

Sangue nos olhos! Ia fazer mais uma fita. O carro, o último modelo, seria dele. Ia andar igual na propaganda.

O publicitário sente o cano frio na sua cabeça genial. Pára de pensar. Recebe uma coronhada. Tudo escurece.

O seqüestrador voltava de um encontro com uma dona quando viu, parado no farol, com o mesmo glamour, o carro dos seus sonhos de consumo, só faltava uma coisa: ele dirigindo.

A campanha do carro fez tanto sucesso que o publicitário ganhou um mega desconto na concessionária e acabou saindo com o mesmo carro que a sua inteligência estava ajudando a vender.

Lá estava ele, desfilando no seu carro novo com o publicitário desacordado ao seu lado. Motor potente. Porta-mala espaçoso. Lugar deserto. O seqüestrador achou melhor guardar o publicitário bem trancado.

Embriagado pelo sucesso, o seqüestrador sai para passear com o publicitário e seu carro novo. Mexe com as mulheres na rua e quase consegue um encontro com outra dona. Passeia pelos lugares mais chiques de São Paulo, até que vê uma viatura. Faz cara de sério, mas os policiais pedem para ele parar.

O publicitário abre os olhos, só vê escuro. Falta o ar, seu corpo dói, sente medo. Ouve tiros lá fora. Vai morrer. Tão jovem e talentoso.

Quando o seqüestrador ia se encostar na parte de trás do carro, talvez para ser revistado, talvez para sacar seu revólver, um movimento brusco assusta os policiais que atiram várias vezes em sua direção.

O publicitário entoava um mantra quando uma das balas atravessa a lataria do carro e o acerta em cheio.

O carro era roubado, o seqüestrador procurado. Saiu uma grande matéria no jornal sobre o premiado publicitário morto em ação policial: “Morreu como um herói, mas não aproveitou sua conquista”.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Você me acende, me ilumina,
e nessa loucura quente
sua língua é o fósforo
que esfrega na minha caixinha.

Nesse calor eu me encaixo
No forno embaixo do seu umbigo
Sou eu, sorvete derretendo
Em cima do seu palito

E nos nossos lençóis labaredas,
as faíscas molhadas se espalham
como líquidas serpentes
sobre nossos corpos suados.
2003