segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Volta, Rosicleide, volta...

Querida, eu vou morrer se você não voltar. Não consigo mais fazer nada. Achei que conseguiria reagir. No primeiro dia, não entendi, custei a acreditar. Depois da primeira semana, a casa já sentia sua falta, as plantas, os móveis. A poeira começou a acumular, a louça começou a acumular. As plantas morreram, eu já emagreci alguns quilos, as pessoas me perguntam se eu estou doente. Não consigo nem beber água por causa da falta que você me faz. Não tem mais copo limpo. Tudo está triste sem você, alegres mesmo só os insetos em volta do lixo.
Volta, Rosicleide, a vida é muito feia sem você.

MOTIVO

-Velha filha da puta, essa é a segunda bola esse mês. – Falava o menino indignado, olhando para o plástico em pedaços.
-Seus putos, vocês sabem que não podem jogar bola aqui. Se cair de novo, rasgo de novo.
Conforme o prometido, teimosa. Fica lá o dia inteiro cuidando das plantas e dos passarinhos, por isso é amarga desse jeito, não faz nada da vida. Custava devolver a bola, planta cresce de novo, passarinho depois fica quieto. Daqui a pouco ninguém mais vai ter bola na rua.
-Pé torto, não presta atenção, não. Lá se vai mais uma bola. Duvido que a velha não teja lá...
-Quem pula?
-Quem chutô, né, lógico. Corre. – Pulou, primeiro veio a bola, depois ele, rapidinho.
-Ela tem muita planta mesmo, e vários passarinhos, inclusive uma arara.
-Uma arara, sério? Ter arara num é crime ?
Depois de uns dias, estava um carro do IBAMA na frente da casa da velha. Os caras do carro do governo levaram vários passarinhos da velha, bem feito!
A bola só foi cair no quintal da velha de novo depois de várias semanas. Ela não saia mais gritando, nem devolvia bola rasgada. O Julio, que pulou lá pra pegar a bola dessa vez, voltou branco. Sem a bola.
-A velha tá estirada no quintal. Dura, meio verde já. Esse cheiro num é só do córrego não...
Dessa vez o carro na frente da casa da velha era do IML. A velha já tinha morrido fazia uma semana. Ninguém tinha percebido. As plantas já estavam murchas e os passarinhos que restaram muito fracos.
Um dia, depois de algum tempo, quando já não havia mais pássaros, nem plantas, a bola caiu no quintal da velha de novo. E novamente foi devolvida rasgada.
Ninguém nunca mais jogou bola lá.