quinta-feira, 11 de outubro de 2007

FÁBULA VEGETARIANA*

Bartes comia calmamente suas folhas de couve, quando um passarinho – talvez atraído pela tranqüilidade do nosso herói ou pelo cheiro das hortaliças – veio pousar em um galho perto de onde Bartes fazia sua refeição. -Olá, passarinho, quer um pouco? – ofereceu gentilmente. -Não, obrigado. Bom apetite. – recusou o pássaro enquanto pousava no chão e começava a procurar com as patinhas as minhocas que em vão tentavam fugir de suas bicadas. Nisso Bartes interviu: -Você vai mesmo comer essas minhocas? Não vê que elas são seres vivos como você? O passarinho deixou a minhoca fugir em meio a terra e olhou assustado para Bartes: -Mas elas são tão gostosas, eu sempre comi minhocas, elas não estão aí para isso? -Você acha que a função das minhocas dentro desse sistema capitalista é apenas alimentar você? Ela era uma minhoca feliz, que percorria a terra, tornando o solo mais fértil, gerando mais minhoquinhas para o futuro e você, com sua ânsia por comer outros seres vivos, vem e acaba com as esperanças de uma pobre minhoca... – Nisto nosso herói, empolgado com seu discurso, engasga com um pedaço da couve e cai roxo no chão. O pássaro, mesmo triste pela morte, não agüenta a fome, e começa a bicar olho ainda aberto de Bartes, refletindo sobre o que ouviu, porém aliviado por não ter sido ele, e sim o pedaço de couve, que matou nosso herói.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Volta, Rosicleide, volta...

Querida, eu vou morrer se você não voltar. Não consigo mais fazer nada. Achei que conseguiria reagir. No primeiro dia, não entendi, custei a acreditar. Depois da primeira semana, a casa já sentia sua falta, as plantas, os móveis. A poeira começou a acumular, a louça começou a acumular. As plantas morreram, eu já emagreci alguns quilos, as pessoas me perguntam se eu estou doente. Não consigo nem beber água por causa da falta que você me faz. Não tem mais copo limpo. Tudo está triste sem você, alegres mesmo só os insetos em volta do lixo.
Volta, Rosicleide, a vida é muito feia sem você.

MOTIVO

-Velha filha da puta, essa é a segunda bola esse mês. – Falava o menino indignado, olhando para o plástico em pedaços.
-Seus putos, vocês sabem que não podem jogar bola aqui. Se cair de novo, rasgo de novo.
Conforme o prometido, teimosa. Fica lá o dia inteiro cuidando das plantas e dos passarinhos, por isso é amarga desse jeito, não faz nada da vida. Custava devolver a bola, planta cresce de novo, passarinho depois fica quieto. Daqui a pouco ninguém mais vai ter bola na rua.
-Pé torto, não presta atenção, não. Lá se vai mais uma bola. Duvido que a velha não teja lá...
-Quem pula?
-Quem chutô, né, lógico. Corre. – Pulou, primeiro veio a bola, depois ele, rapidinho.
-Ela tem muita planta mesmo, e vários passarinhos, inclusive uma arara.
-Uma arara, sério? Ter arara num é crime ?
Depois de uns dias, estava um carro do IBAMA na frente da casa da velha. Os caras do carro do governo levaram vários passarinhos da velha, bem feito!
A bola só foi cair no quintal da velha de novo depois de várias semanas. Ela não saia mais gritando, nem devolvia bola rasgada. O Julio, que pulou lá pra pegar a bola dessa vez, voltou branco. Sem a bola.
-A velha tá estirada no quintal. Dura, meio verde já. Esse cheiro num é só do córrego não...
Dessa vez o carro na frente da casa da velha era do IML. A velha já tinha morrido fazia uma semana. Ninguém tinha percebido. As plantas já estavam murchas e os passarinhos que restaram muito fracos.
Um dia, depois de algum tempo, quando já não havia mais pássaros, nem plantas, a bola caiu no quintal da velha de novo. E novamente foi devolvida rasgada.
Ninguém nunca mais jogou bola lá.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Soneto da (des)educação

Sei bem a utilidade
Dos meus anos de estudo
É dever da sociedade
Não sou mais um vagabundo

Liberalista educado
Sem análise, só crítica
Me ponho de um dos lados
E a mídia me legitima

Sou formado para o mercado
Entendi a mais-valia
Fui feito para o trabalho

A escola me informou bem
Agora sou um cidadão
E não devo contas a ninguém

15.8.06

terça-feira, 26 de junho de 2007

Livros são livres

Livros são livres para fazer definições
Eu não sou livro, nem livre de definições
Livres aqueles que não acreditam nos livros,
nem em definições
Afinal livros são livros:
Litros de palavras que formam as frases
Frases que informam as pessoas
Pessoas que transformam seu tempo
Pessoas são livres, assim como os livros
Para entenderem o que quiserem disso

Porque livros, mesmo livres, são apenas livros.

B.

Direitos humanos para os humanos direitos

Inocêncio gostou muito do livro que ganhara. Não parou de ler nem quando o ônibus passava nos mais dignos buracos. “Os direitos humanos no cotidiano”. Livro grosso, bem ilustrado e com muitas informações interessantes. Ele estava animado com o projeto social que participava, o Educararte. Pensava nisso enquanto caminhava até sua casa. Foi quando notou um homem suspeito andando atrás dele. Ficou com medo, pois o bairro era perigoso. Fez menção de correr, mas o peso do livro prejudicaria seu desempenho. O ladrão já estava muito próximo dele. Não teve dúvidas. Virou e acertou em cheio a cabeça do meliante que ameaçava sua integridade de cidadão de bem. Saiu correndo e na pressa deixou os tão adorados direitos humanos ao lado do marginal desacordado. Nisso passou um mendigo que acompanhava o fato de longe. Ele pegou o livro do chão e o examinou. Juntou o livro aos seus outros pertences e foi para baixo do toldo de uma loja. Deitou-se sobre os papelões, colocou o livro debaixo da cabeça, se cobriu com seu cobertor esfarrapado e dormiu, assim como Inocêncio, o sono dos justos.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

A um grande amigo...

O maior bem está em saber-se amar. Começo assim esta carta já que desconheço outra forma de citar, incitar o amor se não for escrevendo-o, redigindo e colocando letra por letra.
Te escrevo para te dizer que há muito não escrevo, não encontrava inspiração. Talvez estivesse procurando um motivo que jamais encontraria. O mundo onde vivemos nos desencoraja.
Para entender de realidade é preciso que se viva, por isso, amigo, vivas a você! Essa carta espera poder confortá-lo e confrontá-lo com o absurdo do amor, digo absurdo pois o próprio amor é absurdo, assim como qualquer atitude que prove a existência de tal sentimento, por isso a carta... O amor já não existe em conversas corriqueiras.
Essa carta irá encontrá-lo com saúde, levando saudades e levantando questões metafísicas de tempo e espaço, pretendo te escrever simplesmente por te escrever, não tenho muito a dizer só quero te lembrar que vale a pena resistir e insistir em ser feliz.
Gostaria de compartilhar contigo, amigo, a minha falta de esperança nesses dias que virão, fica escrito aqui a mais completa desilusão com os nossos contemporâneos, porém espero que a chama da criação continue acesa para nós, sãos.
Também gostaria de compartilhar, amigo, toda a frivolidade inevitável que vivemos, nos dias consumidos de luminosa solidão continuamos a observar o nosso bizarro mundo; Que sua busca continue constante e firme!
Enfim, meu grande amigo, essa carta vai levando um pouco de mim, para te ofertar reflexões sobre o saber-se amar, sobre como as coisas fúteis têm tanto lugar e o absurdo fica para os poucos/loucos como nós.
Reconfortantes abraços e sinceras bobagens a todos os meus amigos
(inclusive aos que eu ainda não conheço)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Quanto mais mexe...

Cocozinho era expansiva embora reservada. Era muito espirituosa e queria que todos a admirassem. Gostava de conversar, mas só com gente da sua classe.
O ruim era quando estava fresca, aí a cocozinho se mostrava bem. Se esparramava por toda a parte, de acordo com a sua vontade, e com todo aquele enjôo, era triste. Não queria mais se mover do lugar e virava um terrível cocozinho mole. Não chegava a ser insuportável porque além de todo mundo gostar da cocozinho, mais por costume que por prazer, ela era necessária. Durinha, com tudo em cima, suas formas e seu perfume já eram conhecidos e todos de algum modo faziam questão de tê-la por perto.
Não era boa de papo, mas também como conversar com cocô? Serve para várias coisas, mas não dá para se divertir muito. Mostrar, exibir, mas não tentar um contato maior - isso era impossível para a cocozinho.
Cocozinho, às vezes, saia e ficava só, num canto. Pensando? Não, que cocô não pensa. Continuava querendo chamar a atenção, mas ficava isolada – não para refletir - mas para não se misturar ao resto daquela merda toda.

terça-feira, 24 de abril de 2007

sub - MISSÃO

-Amor, você sabe que eu te adoro
e não que eu pense que vou ficar com você a vida toda.
Mas mesmo assim, quero que você fique bem.
Bem agora e sempre.
Mas essa barriga...
Tudo bem, ela ainda não atrapalha eu fazer boquete.
Mas você sabe, querido, todos esses anos juntos, percebi que ela vem crescendo e pior,
você nem gosta mais que eu morda ela.
Ainda mais que você fica fumando um maço todo dia,
era legal fazer alguma coisa a respeito disso.
A gente tem que lembrar: a idade vem chegando, a pele caindo, as taxas de colesterol subindo, mas, a vida segue e você sabe que eu vou continuar te amando.
Fazer o quê?
Então tá bem, amor, pode deixar que eu vou fazer o curso de primeiros-socorros por você... mas, não pára não, continua me beijando.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

O SEQÜESTRADOR E O PUBLICITÁRIO

O seqüestrador lembrava do carro no outdoor. No comercial, na televisão do barraco, lá estava o carro. Merda de vida!

O publicitário estava muito feliz. Sua campanha foi um sucesso. Maravilhas da mídia de massa.

Sangue nos olhos! Ia fazer mais uma fita. O carro, o último modelo, seria dele. Ia andar igual na propaganda.

O publicitário sente o cano frio na sua cabeça genial. Pára de pensar. Recebe uma coronhada. Tudo escurece.

O seqüestrador voltava de um encontro com uma dona quando viu, parado no farol, com o mesmo glamour, o carro dos seus sonhos de consumo, só faltava uma coisa: ele dirigindo.

A campanha do carro fez tanto sucesso que o publicitário ganhou um mega desconto na concessionária e acabou saindo com o mesmo carro que a sua inteligência estava ajudando a vender.

Lá estava ele, desfilando no seu carro novo com o publicitário desacordado ao seu lado. Motor potente. Porta-mala espaçoso. Lugar deserto. O seqüestrador achou melhor guardar o publicitário bem trancado.

Embriagado pelo sucesso, o seqüestrador sai para passear com o publicitário e seu carro novo. Mexe com as mulheres na rua e quase consegue um encontro com outra dona. Passeia pelos lugares mais chiques de São Paulo, até que vê uma viatura. Faz cara de sério, mas os policiais pedem para ele parar.

O publicitário abre os olhos, só vê escuro. Falta o ar, seu corpo dói, sente medo. Ouve tiros lá fora. Vai morrer. Tão jovem e talentoso.

Quando o seqüestrador ia se encostar na parte de trás do carro, talvez para ser revistado, talvez para sacar seu revólver, um movimento brusco assusta os policiais que atiram várias vezes em sua direção.

O publicitário entoava um mantra quando uma das balas atravessa a lataria do carro e o acerta em cheio.

O carro era roubado, o seqüestrador procurado. Saiu uma grande matéria no jornal sobre o premiado publicitário morto em ação policial: “Morreu como um herói, mas não aproveitou sua conquista”.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Você me acende, me ilumina,
e nessa loucura quente
sua língua é o fósforo
que esfrega na minha caixinha.

Nesse calor eu me encaixo
No forno embaixo do seu umbigo
Sou eu, sorvete derretendo
Em cima do seu palito

E nos nossos lençóis labaredas,
as faíscas molhadas se espalham
como líquidas serpentes
sobre nossos corpos suados.
2003

quinta-feira, 29 de março de 2007

Reflexões sobre o trabalho

Alguém disse que o trabalho, além de necessário, faz bem.
Esse alguém , com certeza, pensou nisso num domingo ensolarado, quando, deixando os papéis de lado, foi passear e aproveitar toda a nobreza que o trabalho dá.
Enquanto outro, menos folgado, trabalhava em seu lugar.

segunda-feira, 19 de março de 2007

poema quadradinho

Desenha pra mim outro espaço
Um novo lugar que não seja nenhum
Onde não haja separação ou distância
e tudo fique guardado aqui

Desenha pra mim outro tempo
Onde nada demore, nem haja espera
Em que as horas parem e só reste
O agora pra eu te olhar

Desenha pra mim outro mundo
Onde você não saía mais do meu quadrinho
E a falta de tinta seja o escurinho
Pra gente se amar em PB

segunda-feira, 12 de março de 2007

As intituições que eu respeito ou Sobre o prazer de rir e foder.

É importante lembrar que atualmente vivemos a maior experiência democrática da história de nosso país: eleições diretas para presidente, direitos civis garantidos e inclusão no estado do direito de todos os cidadãos. Todos? Com certeza, não.
Essa tal experiência democrática brasileira funciona, mas só da classe mérdea pra cima. Por isso acho importante respeitar instituições que realmente sejam democráticas e acessíveis a toda população, e as únicas às quais eu devo meu total apoio e respeito são a piada e a putaria.
Que outras duas instituições merecem nosso total apoio e respeito: O Estado, que no nosso país funciona pela metade, pois regula a nação para favorecer apenas uma pequena parte dela enquanto espolia a outra ou a Religião, dando nosso dízimo e nossa consciência livre aos pastores? Quais idéias institucionalizadas em nosso país que permeiam todas as camadas da sociedade, sem distinção? Quais outras ideologias são tão institucionalizadas e presentes no imaginário e no cotidiano brasileiro?
Pesava-nos a culpa de não ter respeito pela nossa cultura e pela nossa história, de não termos amor por nosso país. Respeitamos e amamos sim, mas àqueles valores que realmente nos servem para tornar a vida mais fácil, leve e alegre, já que as outras instituições nos tiram as possibilidades que deveriam fornecer.
A piada e a putaria nos ajudam em vários campos de nossa vida e nos dão direitos que nenhum estado democrático jamais poderá fornecer: a liberdade para rir e foder, sem culpa, sem medo de represálias e sem vergonha, com orgulho e prazer.
Barbara
Domingoensolaradovinteenovedeoutubrodedoismileseis
.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

ASSASSINATO

Os vizinhos descobriram
Por causa do mau cheiro
Que o amor já tinha morrido
Em meados de fevereiro

Assassinado barbaramente
Por causas desconhecidas
Tinha marcas de violência
E em volta, ilusões perdidas

Dizem que esse amor costumava
Ser tranquilo e simpático
Os vizinhos nunca notaram nada
Até o evento traumático

As investigações prosseguem
Sem nenhuma novidade
Os suspeitos são o ciúmes,
A rejeição e a saudade.

A perícia já concluiu
Que a morte se deu aos poucos
O amor antes de morrer
Foi acorrentado a alguns desgostos

Até fecharmos a redação
O amor não foi identificado
E se alguém souber de alguma coisa
Por favor, que fique calado.

B.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

meu ideal de amor

- Desculpa, querido! - Como ela acha que ia resolver tudo falando isso.
Como se meu perdão resolvesse alguma coisa. Além disso, ela sabe, mesmo sem eu dizer, que eu faria qualquer coisa por ela. Sem clichê ou promessas - tudo. Era uma condição.
Estávamos lado a lado, sem culpa, sem medo e nem benção. Só não pensava exatamente nisso, mas não consigo ficar com raiva dela agora.
Aquele olhar doce, firme e agora cheio de medo, só me dava mais vontade de nunca mais olhar para nada. Mas eu tenho que olhar o trânsito, eu tenho que prestar atenção – carros, placas, buracos, curvas... Então ela faz o que não poderia fazer de jeito nenhum naquele momento: seus olhos se inundam de desespero e ela aperta meu braço, achando que ele é mais forte do que parece e as lágrimas começam a molhar minha blusa. Paro o carro e a abraço.
Era a única coisa que poderia fazer.
Ficamos alguns séculos abraçados até passar uma sirene na estrada que me chama para a realidade.
-Tudo vai ficar bem - digo, mesmo sem ter certeza.
Ela finge que acredita e, mais calma, pega um mapa no porta-luvas e localiza uma represa perto dali onde podemos jogar o corpo que está no porta-mala - como eu amo essa mulher!