segunda-feira, 9 de junho de 2008

O mundo possível


  1. Justino sabia bem do que se tratava. Era fácil perceber: as pessoas saindo de casa por volta da oito da manhã, arrumadas, com a reconhecível pastinha na mão e a esperança nos olhos. Ele sabia que para resolver o problema era necessário ir ao fundo dele, revolver e trazer a tona o que estava em seu âmago, era preciso ir ao centro do problema: Estação República, o centro da cidade que recolhe, mas não acolhe. Não gostava de ser chamado de peão, mas também não entendia o porquê do nome construção civil. Existiriam outros tipos de construções? Os viadutos e prédios públicos que ele construíra eram civis? E o barraco onde morava? Aquilo também era construção civil. Naquele momento, na fila, isso não importava. A carteira de trabalho no bolso e a apreensão no olhar – via que tinha gente de todo o tipo na fila: uma senhora que parecia sua mulher, uma garota que lembrava sua filha e embora os tipos fossem diferentes havia algo que aproximava aquelas pessoas e que não era a pastinha debaixo do braço. Depois de largas horas, seu estômago roncando e a atendente preenchendo seus dados. Nenhuma vaga no momento. Era preciso aguardar. Sua expressão era de fadiga, a fome agora se misturava à frustração. Saiu e foi andar na Barão. Quem sabe alguém não trocava um currículo seu por um cachorro-quente e um suco. Já que o currículo era a sua única riqueza, pois ele representava toda a tentativa de Justino de tentar construir a sua vida na cidade grande, mas como não há vagas, agora não deixam ele construir mais nada.

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